Campo Grande (MS) – Apenas em Campo Grande são produzidas cerca de 1,3 mil toneladas de lixo todos os dias, conforme instituições ligadas ao setor. Desse total, 34,2% advém da construção civil, somando, em média, 450 caçambas diárias com descartes de obras. Mas alternativas inteligentes estão ajudando a transformar o que seria um grande problema para a população em dinheiro e, até mesmo, em oportunidade de trabalho remunerado e reinserção social para custodiados do Centro Penal Agroindustrial da Gameleira (CPAIG).
Parceria da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen) com a Progemix Resilix está possibilitando a ocupação de mão de obra prisional nos trabalhos de separação e manufatura de materiais descartados na Capital. Atualmente, 30 internos trabalham para a recicladora e recebem um salário mínimo mensal, além da redução de um dia na pena a cada três de serviços prestados, atendendo ao que estabelece a Lei de Execução Penal (LEP).
Instalada na saída para Cuiabá, a empresa recebe o descarte de materiais de toda a cidade e cobra uma taxa por caçamba descarregada. Constituída com o objetivo de dar destinação sustentável e ecologicamente correta a resíduos que são descartados e que necessitam de atenção especial, a Progemix Resilix conquistou, em 2009, premiação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), na categoria "Desenvolvimento Sustentável de Micro e Pequena Indústria”.
Segundo o empresário Geneci Borges Alves, no local, todo material é separado e destinado para o reaproveitamento. A proposta é utilizar restos de obras para a fabricação de telhas, blocos de cimentos, paves entre outros materiais, sendo tudo confeccionado no local. “É possível fazer praticamente todos os pré-moldados necessários na construção civil”, ressalta.
Já os restos de madeira, explica o empresário, são triturados e transformados em um tipo de pó que, em breve, serão utilizados para a geração de energia elétrica. “Já estamos adquirindo o equipamento que transformará esse material em energia. Nossa meta é tornar essa geração suficiente para abastecer a nossa firma e ainda vendermos energia para a companhia elétrica", informa Borges. “E o que não pode ser transformado aqui, como papeis e plásticos, vendemos para outras recicladoras”, esclarece.
A empresa já teve outras parcerias com a Agepen, mas, devido à crise econômica nacional, precisou parar a produção, retomando o convênio em março deste ano. “Sempre foi muito positivo utilizar a mão de obra carcerária, já tive detento que até chegou a ocupar o posto de gerência”, comenta. Para ele, ao dar oportunidade aos reeducandos, está auxiliando no resgate da dignidade dessas pessoas. “São ótimos funcionários, não tenho do que reclamar, quero ter o maior número possível”, salienta.
Anderson dos Santos Rondon, 32 anos, é um dos trabalhadores e garante que está abraçando a oportunidade para traçar uma nova história de vida longe da criminalidade, já que a garantia de dinheiro por meio do trabalho lícito traz paz a ele e a seus familiares. “Trabalho aqui o dia inteiro, quando volto para o presídio para dormir estou cansado e não tenho tempo de pensar besteiras. Estou sendo motivo de orgulho para a minha família, que pode ficar tranquila também sabendo que não estou fazendo nada de errado”, conclui.
O técnico em segurança no trabalho Osvaldo Lopes, que atua diretamente com os apenados, também elogia os trabalhadores. “São disciplinados, trabalham bem em equipe”, elogia. Ele destaca que existe toda uma segurança que dificulta a evasão dos internos do local, bem como burlar os serviços. “O acesso é monitorado por câmeras e o controle de entrada e saídas é rigoroso”, frisa. “Além disso, só trabalham com os EPIs [Equipamentos de Proteção Individual], como botas, luvas, capacetes e proteção auricular”, enfatiza.
Lopes defende que não vê os internos como criminosos, mas sim como companheiros de trabalho e pessoas em busca de transformação de vida. Por isso, além dos conselhos e bons exemplo que busca passar a eles durante o trabalho, também conseguiu com o dono do empreendimento um espaço no final do expediente, nas sextas-feiras, para levar a palavra de Deus. “Também oramos, cantamos, lemos e falamos sobre trechos da Bíblia. É muito especial e eles gostam muito”, afirma.
Cumprindo pena desde 2012, Wander Robert Barrios, 25 anos, também presta serviços no local e vê no trabalho “um passo a mais para a liberdade”. “Nunca tinha trabalhado antes, a vida que eu conhecia era a do crime e das drogas. Hoje tenho outros horizontes e não quero isso mais para a minha vida, e os momentos de oração também tem me ajudado bastante nesse sentido”, assegura. “Vejo que o trabalho abre portas e a fé muda a forma da gente enxergar o mundo”, acredita.
Conforme o diretor-presidente da Agepen, Aud de Oliveira Chaves, a parceria com a Progemix Resilix é uma das 145 estabelecidas entre a instituição e empresas, que garantem trabalho remunerado a internos nos 18 municípios onde a agência penitenciária possui unidades prisionais. Segundo ele, outros 27 convênios são firmados por meio dos conselhos da comunidade, totalizando 172 parcerias que oferecem oportunidade de trabalho a pessoas em cumprimento de pena.
Os convênios de ocupação da mão de obra prisional são coordenados pela Diretoria de Assistência Penitenciária (DAP), por meio da Divisão do trabalho da Agepen. “Hoje, 38% da população carcerária trabalha, em se tratando do semiaberto esse percentual é ainda mais significativo, com 70% dos custodiados inseridos no labor”, informa Aud.
De acordo com o dirigente, em 10 anos o sistema penitenciário de Mato Grosso do Sul ampliou em 117% o total de reeducandos trabalhando, enquanto que, no mesmo período, o aumento da população carcerária foi de 65%. “A nossa meta é continuarmos ampliando as parcerias para inserção desses apenados no mercado de trabalho, o que expande as possibilidades de reinserção social e a não reincidência no crime, que é o nosso objetivo principal”, finaliza o diretor-presidente.
Keila Oliveira - Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen)
Fotos: Jeremias Lima