O teatro ultrapassou os muros do sistema prisional e levou arte, emoção e reflexão a mulheres privadas de liberdade em Campo Grande. O projeto “A Valsa em Lugares Esquecidos”, idealizado e protagonizado pela atriz Tauanne Gazoso, apresentou o espetáculo “Valsa nº 6”, de Nelson Rodrigues, em duas unidades administradas pela Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário) — o Estabelecimento Penal Feminino de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência à Albergada e o Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi”.
A ação contou com o apoio da Agepen, por meio da Diretoria de Assistência Penitenciária, e proporcionou um encontro raro com a arte: foram cinco apresentações e duas rodas de conversa, envolvendo cerca de 150 mulheres em situação de prisão.
A peça narra a história de Sônia, uma jovem assassinada que busca compreender o mistério da própria morte, entre memórias e delírios. Na adaptação criada por Tauanne Gazoso, o texto de Nelson Rodrigues ganha novos sentidos e se transforma em um convite à reflexão sobre liberdade, identidade e resiliência.
“Eu quis olhar para essas mulheres e dizer que a arte também é um direito delas”, explica Tauanne. “O teatro cria uma ponte: ele não julga, ele ouve. É sobre reconhecer a potência que ainda existe dentro de cada uma”.
Durante as apresentações, realizadas em pátios e auditórios das unidades, o ambiente simples se transformava em um palco. O silêncio e a emoção do público marcaram cada sessão. Muitas mulheres relataram nunca terem tido contato com o teatro antes. “Fiquei arrepiada, foi surreal. Mostra pra gente muitas coisas que vivemos”, disse uma das internas.
Para a diretora em substituição legal do Estabelecimento Penal Feminino de Regime Semiaberto, Aberto e Assistência à Albergada, Jaqueline Cunha, o impacto é transformador. “O teatro e a cultura são essenciais para o desenvolvimento humano. Essas mulheres vivem em um universo de restrições, e a arte vem para trazer luz, emoção e sensibilidade”, afirmou.
O psicólogo Alex Fabiano Silva de Lima, que atua no Estabelecimento Penal Feminino “Irmã Irma Zorzi”, reforça o papel das atividades culturais na ressocialização: “Elas proporcionam reflexão e humanização. A arte ajuda a elaborar emoções e desperta um novo olhar sobre si mesmas, o que reflete positivamente na convivência e na rotina prisional”.
O projeto foi contemplado por edital da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), do Governo Federal, por meio do Ministério da Cultura, com execução da Prefeitura de Campo Grande, através da Fundac (Fundação Municipal de Cultura ).
Antes de chegar às penitenciárias, o espetáculo foi apresentado no Sesc Teatro Prosa, mas foi dentro dos muros que cumpriu seu papel mais simbólico: reconectar mulheres privadas de liberdade com a arte, a emoção e o direito à expressão.
Para o produtor e preparador corporal Halisson Nunes, a iniciativa representa mais que uma ação cultural. “Levar o teatro a esses espaços é um ato poético e necessário. São lugares esquecidos pela arte, e quando uma mulher ali se emociona e se reconhece, algo se transforma. É disso que se trata: de mover”.
Comunicação Agepen
*colaborou Lucas Arruda
Fotos: Lunar Fotografia


